07/10/10 às 14:39 | A ÉTICA DA MALANDRAGEM - LUCIO VAZ
O SENADOR VALDIR RAUPP É QUEM VENDEU A CERON E ENTREGOU O BERON AO GOVERNO FEDERAL EM TROCA DE MILHÕES PARA FINANCIAR SUA CAMPANHA A REELEIÇÃO AO GOVERNO E O POVO PAGA PELA FALTA DE ENERGIA E AINDA VERBAS DO ESTADO SENDO “ROUBADAS” PELO GOVERNO FEDERAL REFERENTE AO BERON, DIVIDAS ESTA QUE NA SUA MAIORIA FORAM DEIXADAS PELA ADMINISTRAÇÃO FEDERAL(RAET) QUE LIQUIDOU O BANCO COM A CHANCELA TOTAL DO RAUPP ...TOMOU TINTA DO POVO
VEJA O QUE DIZ O LIVRO A ÉTICA DA MALANDRAGEM =NO SUB MUNDO DO CONGRESSO NACIONAL, QUE TEM UM CAPÍTULO TODO DEDICADO AO SENADOR DE RONDÔNIA....
O movimento estava intenso no corredor das comissões técnicas, no Anexo 2 da Câmara. Eu passava apressado e encontrei, por acaso, um deputado de Rondônia. Era início de agosto de 1997. Integrante do chamado “baixo clero” do Congresso, o deputado era uma boa fonte, principalmente quando o assunto era fisiologismo. Sabia quanto cada deputado do seu Estado havia recebido para votar em determinado projeto de interesse do governo. As moedas de troca eram, invariavelmente, cargos federeis ou verbas para obras no Estado. Mas, naquele dia, ele tinha uma história mais pesada para contar. E o peixe fisgado era maior.
- Lucio, o Raupp levou R$ 60 milhões (o equivalente a R$ 136 milhões hoje) para apoiar a reeleição do Fernando Henrique – disse, com os olhos arregalados.
Ele falava do então governador de Rondônia, Valdir Raupp (PMDB), hoje senador, seu adversário político. Procurei saber mais detalhes da história. Haveria prova? E como ele tinha tanta certeza do fato?
- O Raupp teve um encontro com o presidente, em Brasília, entregou um documento garantindo apoio à sua reeleição. Foi há poucos dias. Você pode tentar conseguir esse documento. O dinheiro vai ser liberado pelo BNDES para capitalizar a Ceron (Centrais Elétricas de Rondônia), mas vai servir mesmo para financiar obras do governador. Assim, ele garante a reeleição dele também.
A história parecia fechada, além de interessante, mas faltava o principal: as provas. No mínimo, precisaríamos de testemunhas. Fiquei de procurar as minhas fontes no governo, enquanto ele tentaria obter mais detalhes com colegas de bancada, já que era de um partido governista. Ficamos de conversar na semana seguinte.
Procurei parlamentares próximos ao governo, mas ninguém acrescentou muito ao que eu já sabia. Encontrei novamente com o deputado, agora no seu gabinete, e expliquei que precisaríamos radicalizar na apuração. Lembrei de uma reportagem feita pelo jornalista Fernando Rodrigues, meu colega na Folha de São Paulo, no início daquele ano. Com a ajuda do “senhor X”, como chamou, ele conseguiu gravar conversas de parlamentares do Acre sobre o processo de votação da emenda constitucional que aprovou a reeleição de Fernando Henrique Cardoso. O deputado Ronivon Santiago, do PFL na época, afirmou que teria recebido R$ 200 mil para votar pela reeleição. O método era radical, mas perfeitamente legal, e ético. Antiético é vender o próprio voto. E a Folha já havia aprovado o procedimento. Expliquei, então, ao deputado de Rondônia.
- Deputado, ninguém assina recibo nesse tipo de negócio. O tal documento entregue ao Fernando Henrique não vai vazar nunca. O único jeito é gravar uma conversa do Raupp relatando para algum aliado o que aconteceu.
O deputado perguntou se eu estaria falando de um “grampo” telefônico, o que seria ilegal. Expliquei que não seria exatamente um “grampo’, que consiste na gravação de conversas de terceiros. Quando um dos interlocutores grava a conversa, ele pode divulgar seu conteúdo. Há jurisprudência sobre isso no Supremo Tribunal Federal. Assim, alguém precisaria gravar uma conversa com o governador.
- Mas quem vai gravar/ Um aliado dele não vai entregar a fita. E ele não vai contar a história para um adversário – argumentou o deputado, repleto de razão.
Mesmo mostrando a dificuldade da operação, ficou de pensar em alguém que pudesse fazer a gravação. Disse que até já tinha um nome em mente. Pediu mais tempo. Duas semanas mais tarde, informou que todas as tentativas haviam fracassado. Ninguém queria assumir o risco de grampear o governador. Propus, então ema estratégia mais arriscada.
- Precisamos de alguém que já tenha sido próximo do governador, mas que hoje esteja na oposição. Essa pessoa se aproxima dele, ganha a sua confiança e acaba fazendo a gravação.
O deputado achou a idéia excelente, mas faltava encontrar alguém disposto a colocar a guizo no pescoço do gato. Ele foi atrás do voluntário. Poucos dias depois, chamou-me no seu gabinete e anunciou.
- O cara é o Olavinho. Ele vai fazer a gravação.
Tratava-se do deputado federal Emerson Olavo Pires, do PSDB de Rondônia, filho do ex-senador Olavo Pires, que fora assassinado em 1990 numa emboscada nas ruas de Porto Velho. O deputado relatou que Olavinho já havia sido aliado de Raupp no início do seu governo. Mas acabou se afastando do governador por se sentir desprestigiado pela administração estadual. Agora, estaria disposto a se reaproximar do governador para tentar fazer a gravação.
Nas semanas seguintes, foi feita a reaproximação. Um intermediário enviou sinais de que Olavinho estaria disposto a conversar com o governador, que ficou animado com a possibilidade. Deputado de primeiro mandato, o tucano tinha como principal trunfo eleitoral o prestígio político do pai, que foi assassinado quando disputava o governo do Estado. Depois de um primeiro contato com o governador, Olavinho marcou para conversar por telefone, do seu gabinete em Brasília. Já era início de outubro. Fui chamado e levei um gravador especial, que grava as conversas de uma forma bastante prática. O sensor é colocado entre o aparelho e o ouvido do operador. Assim, ele pode, ao mesmo tempo, ouvir e gravar a conversa.
Todos estavam tensos; Olavinho chegava a suar. Fez a primeira ligação, informou que o governador esperava pelo seu contato e aguardou o retorno. Quando o telefone tocou, ele respirou fundo e atendeu. Era o governador. Depois de um bate-papo informal, para descontrair, o deputado entrou no assunto quente, procurando arrancar de Raupp, a confirmação do acordo. O governador começou revelando que teria dinheiro para tocar um programa de obras gigantesco:
- Acho que, se eu tocar esse programa de obras, consigo ganhar esa eleição no primeiro turno.
- E dá para garantir esse programa de obras, governador? – perguntou Olavinho, procurando arrancar mais detalhes sobre o financiamento do programa.
- Dá porque eu vou ter da Eletrobrás, do BNDS, e mais a privatização do porto, do banco... vou apurar uns 90 ou 100 milhões (de Reais) com isso. Toco o programa todo em seis ou sete meses. Daqui a 60 dias, com esse programa de obras andando, devo chegar a uns 40 pontos no Ibope. Se eu tocar esse programa de obras, consigo ganhar a eleição no primeiro turno – relatou Raupp.
- Pelo que eu entendi da parte do BNDES não existe má vontade, do governo federal mesmo, que está ajudando nisso?
Abriu um sorriso, de alivio quando o governador respondeu:
- O próprio presidente (Fernando Henrique Cardoso), o próprio presidente já determinou. Eu estive com ele na semana passada, pessoalmente. Ele já determinou que fizesse isso o mais rápido possível. Tanto o presidente quanto o Sérgio Motta. Só faltava fechar o número.
Motta não tinha ligação formais com o BNDES e não deveria interferir na liberação de recursos para a Ceron, mas era o operador político do governo FHC.
Olavinho pergunta se o presidente está “fechado” com o governador.
O deputado fala sobre o documento que o governador entregou a FHC, prometendo apoio incondicional à sua reeleição. Em seguida, pergunta como ficaria a situação de Raupp se o PMDB lançasse candidato a presidente da República:
- Você está tranqüilo? Mesmo se o PMDB lançar candidato a presidente?
Ah, não, já a palavra de apoio ao presidente. Só se eles expulsarem. Mas vão ter que expulsar o Brito (Antônio Britto, então governador do Rio Grande do Sul e também aliado do Planalto). Não há um nome com quem eu simpatize no PMDB.
Concluída a primeira conversa, ouvimos a gravação, ainda no gabinete, e concluímos que faltava alguma coisa. As declarações eram fortes, mas seria preciso esclarecer melhor como o dinheiro da Ceron seria usado na campanha, como resultaria em votos para Raupp, numa segunda conversa. Olavinho perguntou se o dinheiro não seria “carimbado” para a Ceron. O governador finalmente explicou como poderia usar o dinheiro liberado pelo BNDES em benefício da sua campanha.
- Mas esse recurso do BNDES não é carimbado para a Ceron? – questionou o deputado.
- Não. Ele vem para a Ceron pagar o ICMS do estado. A Ceron deve R$ 78 milhões de ICMS. Enquanto preparam toda a papelada, eles mandam R$ 10 milhões para dar continuidades às obras. Depois, vêm os outros R4 56 milhões – relatou Raupp, informando que o BNDES liberaria um total e R$ 66 milhões.
O material gravado já era forte, mas Olavinho pensava em fazer uma terceira gravação. Desistiu da idéia porque chegou ao governador a informação de que alguém tria gravado uma conversa com ele. Segundo relato do deputado, Raupp teria telefonado ameaçando retaliar sei o conteúdo da gravação fosse divulgado. Havia chegado o momento de publicar a reportagem.
Por coincidência, o governador estava no escritório de representação do governo de Rondônia, em Brasília, na véspera da publicação da reportagem. Telefonei e marquei uma entrevista. Adiantei o assunto por alto, mas sem dar detalhes. Em seguida, fui até o escritório, no edifício do Shopping Pátio Brasil, ainda pela manhã. Encontrei o governador tenso, mas muito simpático. Relatei sobre a fita gravada por Olavinho e sobre o seu conteúdo. Raupp deixou escapar um gesto de irritação, mais com o deputado do que comigo. Propus fazer uma entrevista pingue-pongue, para que ele expulsesse a sua posição sobre o acordo com o Planalto para liberar os recursos do BNDES. Ele concordou. Liguei o gravador e comecei pela questão partidária.
- Se o PMDB decidir em convenção nacional que terá candidato próprio a presidente, como o senhor fica?
- Eu apoiei a candidatura do doutor Ulysses em 1989, mesmo sabendo que ele iria perder. Em 1994, apoiei o Quércia. Agora, não vejo no PMDB nomes em condições de vencer as eleições. A minha tese, como a de muitos outros governadores, é de apoiar agora o Fernando Henrique e lançar um candidato (do PMDB) em 2002 – respondeu, com a mesma firmeza que havia demonstrado na gravação feita pelo deputado.
Lembrei, então, que ele tentava seis meses, sem sucesso, a liberação de recursos para sanear a Ceron. Somente naquele momento ele havia conseguido a promessa do repasse do dinheiro para o Estado.
- Isso coincide com o momento em que o senhor leva ao presidente um documento manifestando apoio à relação dele. Não é muita coincidência? – perguntei.
- Não, não tem nada a ver. É normal um governador estar em audiência com o presidente, para pedir auxílio ao seu Estado. O meu estado é carente. Não é nada de mais o governador pedir socorro ao presidente da República. E a minha manifestação de apoio ao presidente foi feita há mais de dois anos. Pesquisa do Estado mostram que 60% da população quer a reeleição do presidente. O governador está do lado do povo.
Citando outro trecho da gravação, lembrei que ele havia afirmado que, com os recursos do BNDES, iria tocar as obras no Estado e garantir a reeleição já no primeiro turno.
- Não seria esse um projeto eleitoreiro? – questionei.
- Veja bem, qualquer governador quer tocar obras, quer realizar obras sociais, de infra-estrutura. Não vejo nisso um trabalho eleitoreiro. Se a maioria da população está satisfeita e existe um projeto de reeleição, eu acho normal um governador ser reeleito.
A entrevista durou pouco mais de meia hora. Raupp apresentou a sua versão para os fatos, mas não negou nenhum trecho da gravação feita por Olavinho. Retornei à sucursal da Folha e tratei de redigir a matéria. Np meio da tarde, com o texto principal já pronto, fui chamado na sala do diretor da sucursal, Valdo Cruz. Ele explicou que o secretário da redação da Folha, Josias de Souza, não havia gostado da abertura. Entendia Josias que o conteúdo a gravação não sustentava aquele lide, que vinculada diretamente a liberação do dinheiro ao apoio à reeleição. Refiz o texto, mas a reportagem continuou embargada. Acabou não sendo publicado no dia seguinte, em parte também porque o jornal estava com pouco espaço naquele dia. A reportagem exigia uma página limpa.
Olavinho achou que o governador havia barrado a publicação da reportagem. Assustado com a pressão de Raupp, foi à tribuna da Câmara e afirmou que estava sofrendo ameaças de adversários no Estado. A mesa Diretora providenciou segurança pessoal para o deputado. Uma equipe de seguranças da Casa passou a acompanhá-lo. Mas o discurso despertou também o interesse do restante da imprensa, pressionado, Olavinho acabou vazando parte do conteúdo da gravação. Disse que governador havia trocado o apoio a FHC por R$ 66 milhões a serem liberados para Rondônia. Acompanhei o deputado o dia inteiro, para evitar que ele passasse mais informações para os concorrentes. A fita que ele gravou estava comigo. Olavinho insistia que Raupp havia “derrubado” a publicação da matéria. Assegurei ao deputado que a reportagem seria publicada no dia seguinte, completa. O governador realmente telefonou para a chefia da sucursal do jornal em Brasília. Perguntou se a reportagem seria publicada, mas nada pediu. Ouviu que a reportagem seria publicada no dia seguinte, o que realmente aconteceu. Com o título “Governador acerta apoio e obtém R$ 66 milhões, tinha uma abertura, os principais trechos da conversa gravada por Olavinho e a entrevista pingue-pongue com o governador.
Olavinho passou várias semanas sob proteção policial, até que o assunto esfriasse. No ano seguinte, Raupp disputou a reeleição, mas perdeu para o pefelista José Bianco. O deputado também não conseguiu a reeleição. Os dois foram reprovados pelas urnas naquele ano. Hoje, Raupp é senador de Rondônia.