Não obstante e lamentavelmente, as autoridades terminam por extrapolarem de suas atribuições, talvez na pretensão de “satisfazerem seus eleitores”. Entretanto, ao “entrarem” na seara alheia, descumprem os preceitos legais a que se comprometeram cumprir no exercício de seus mandatos. Dessa forma, tornam inconstitucionais os seus atos legislativos e terminam por colocar o Judiciário em cheque junto a população, vez que este órgão não permite e não pode permitir se cumpram normas ao arrepio da Lei Maior.
A ENERGISA mostra mais uma vez o seu poder ao conseguir na justiça desqualificar os deputados estaduais e o próprio Governador do Estado de Rondônia, que publicou no dia 22.04.2020 a Lei nº 4.736 de 2020, que, dentre outras medidas de combate ao COVID-19, em seu art. 1º proibiu o aumento nas tarifas dos produtos e serviços de fornecimento de água, luz, internet e gás, sem justa causa enquanto durar o Decreto n° 24.871/2020. Por sua vez, o art. 2º, da mesma lei proibiu a suspensão do fornecimento dos serviços e produtos elencados no art. 1°, por falta de pagamento, durante a vigência do Decreto n° 24.871/2020. E o art. 5º dispõe que as empresas que descumprirem os arts. 1° e 2° estarão sujeitas às sanções previstas no Decreto Estadual n° 22.664 de 14 de março de 2018.
E a afronta não foi apenas aos Deputados Estaduais e Governo do Estado, a ENERGISA também passou como um trator por cima da ANEEL - Agência Nacional de Energia Elétrica, que no exercício de sua competência regulatória disciplinada pela Lei 9.427/96, aprovou a Resolução Normativa n. 878/2020, vedando a suspensão do fornecimento de energia em razão de inadimplemento nas unidades residenciais, inclusive rurais, e em serviços essenciais.
Destaco também o Art. 2º, pelo qual fica vedada a suspensão de fornecimento por inadimplemento de unidades consumidoras:
I – relacionadas ao fornecimento de energia aos serviços e atividades considerados essenciais, de que tratam o Decreto nº 10.282, de 2020, o Decreto nº 10.288, de 2020 e o art. 11 da Resolução Normativa nº 414, de 2010.
Vale resaltar, que além de conseguir uma decisão favorável para voltar a "tocar o terror" nas residências de consumidores supostamente inadimplentes, a ENERGISA também luta com unhas, dentes e um forte LOBBY por um perdão de dívida no valor superior a 1,3 bilhões de reais, e que mesmo estando ela INADIMPLENTE com o Estado de Rondônia em mais de 2 bilhões de reais, a concessionária está com suas certidões todas em dias e sem nenhum problema burocrático para renová-la a cada vencimento, coisa que empresas de pequenos e médios porte originalmente rondonienses não tem o mesmo privilégio.
VEJAM A DECISÃO
TRIBUNAL PLENO
Tribunal de Justiça de Rondônia Poder Judiciário
Gabinete Des. José Jorge Ribeiro da Luz
Mandado de Segurança n. 0803230-33.2020.8.22.0000 - PJ
Impetrante: Energisa Rondônia – Distribuidora de Energia S.A.
Advogados: Vítor Ferreira Alves de Brito (OAB/RJ 104.227),
Frederico Ferreira (OAB/RJ 107.016), Matheus Pinto de Almeida
(OAB/RJ 172.498) e Augusto Felipe da Silveira Lopes de Andrade
(OAB/MG 109.119)
Impetrado: Governador do Estado de Rondônia
Impetrado: Superintendente do Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor no Estado de Rondônia
Relator: Desembargador José Jorge Ribeiro da Luz
Decisão
Trata-se de mandado de segurança preventivo com pedido liminar impetrado por ENERGISA RONDÔNIA -Distribuidora de Energia S.A, apontando como autoridade coatora o Governador do Estado de Rondônia e o Superintendente do Programa Estadual de Defesa do Consumidor do Estado de Rondônia.
Narra a impetrante que a Lei 13.979 de 06.02.20 (Lei da Quarentena), editada para disciplinar “as medidas para
enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus”, previu em seu art. 3º,Este diário foi assinado digitalmente consoante a Lei 11.419/06. O documento eletrônico pode ser encontrado no sítio do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, endereço: http://www.tjro.jus.br/novodiario/
ANO XXXVIII NÚMERO 105 DIARIO DA JUSTIÇA SEXTA-FEIRA, 05-06-2020 19 §10, que quaisquer restrições que afetem os serviços públicos somente poderão ser adotadas em ato específico e desde que em articulação prévia com o órgão regulador ou o Poder Concedente ou autorizador.
Alega que em 20.03.20, foi publicado o Decreto 10.282, cujo art. 3º, §1º, IX, e §2º, definiu como serviço público essencial a geração, transmissão e distribuição de energia elétrica e de gás, assim como as atividades acessórias e de suporte relativas ao exercício e ao funcionamento dos serviços públicos e das atividades essenciais.
Diz ainda que no exercício da sua competência regulatória, essencial para a coordenação das medidas de combate aos efeitos da pandemia da COVID-19, conforme legislação citada, a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, aprovou em 24.03.20, em Reunião Pública Extraordinária, a Resolução Normativa 878,
estabelecendo conjunto de medidas para garantir a continuidade do serviço de distribuição de energia elétrica, protegendo usuários e funcionários das concessionárias dos efeitos da pandemia, vigentes pelo período de 90 dias, podendo ser prorrogadas.
Sustenta que uma das medidas emergenciais voltadas para os consumidores de energia incluíram, ainda, a isenção de 100% do pagamento das tarifas para os usuários de baixa renda, com consumo inferior a 220 (duzentos e vinte) kWh/mês, nos termos da Medida Provisória 950, de 08.04.20.
Assevera que não obstante as medidas adotadas pela ANEEL, o Governador do Estado de Rondônia, publicou no dia 22.04.2020 a Lei nº 4.736 de 2020, que dentre outras medidas de combate ao COVID19 ofendeu direito líquido e certo na prestação dos seus serviços privados.
Relata que a mencionada lei em seu art. 1º, proibiu o aumento nas tarifas dos produtos e serviços de fornecimento de água, luz, internet e gás, sem justa causa enquanto durar o Decreto n° 24.871/2020.
Por sua vez, o art. 2º, da mesma lei proibiu a suspensão do fornecimento dos serviços e produtos elencados no art. 1°, por falta de pagamento, durante a vigência do Decreto n° 24.871/2020.
E o art. 5º dispõe que as empresas que descumprirem os arts. 1° e 2° estarao sujeitas às sancoes previstas no Decreto Estadual n° 22.664 de 14 de marco de 2018.
Sustenta que a lei é inconstitucional, porquanto invadiu a competência privativa da União para legislar sobre energia (art. 22, IV da CF) e definir as condições de prestação do serviço (art. 21, XII, “b” da CF), bem como dispor mediante lei sob regime de concessão ou permissão a prestação de serviços públicos (art. 175 da CF).
Ao final, pugna: a) liminarmente, pela concessão da segurança, para sustar os efeitos do ato coator e consequentemente dos arts. 1º, 2º e 5º da Lei Estadual 4.736/20, no tocante à impetrante e determinando-se, em caráter preventivo, que o Superintendente do Programa Estadual de Defesa do Consumidor do Estado de
Rondônia se abstenha de aplicar quaisquer penalidades previstas no Decreto Estadual 22.664/18, com base na Lei Estadual 4.736/20, decorrentes do referido diploma legal, manifestamente inconstitucional.
Atribuiu a causa o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais).
O presente feito foi inicialmente distribuído ao relator Osny Claro Oliveira Júnior – juiz convocado, porém, redistribuído por prevenção, em razão do Mandado de Segurança Coletivo n. 0802774- 83.2020.8.22.0000, de minha relatoria, impetrado pela Associação Brasileira de Provedores de Internet e Telecomunicações – ABRINT.
Suscitei o conflito de competência por entender não se tratar de prevenção e, em caráter provisório, fui designado pelo douto relator do Conflito para resolver as medidas de urgência, conforme informação de Id 8840182.
É o relatório. Decido.
A impetração é tempestiva, pois proposta dentro do prazo decadencial previsto no art. 23, da Lei nº 12.016/2009.
Ademais, a competência para processamento e julgamento do mandado de segurança é deste Pleno, com arrimo no art. 109, I, “d”, 3, do Regimento Interno deste Tribunal.
O cerne da questão gravita sobre a proibição de aumento de tarifa de energia e a proibição de suspensão de seu fornecimento em caso de consumidores inadimplentes, bem como imposição de multa pelo Superintendente do Programa Estadual de Defesa do Consumidor do Estado de Rondônia, consoante disposição da Lei
4.736/2020, sancionada pelo Governador deste Estado.
Pois bem.
Dispõe a lei que a concessão de liminar em sede de mandado de segurança exige a ocorrência dos requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora, referindo-se o primeiro à plausibilidade do direito substancial e o segundo à possibilidade de se tornar inócuo, caso seja a medida acolhida tardiamente.
A impetrante sustenta a impossibilidade de aplicação em relação a si, pela inconstitucionalidade dos artigos 1º, 2º e 5º da Lei 4736/2020, in verbis:
Art. 1° Fica proibido aumento nas tarifas dos produtos e serviços de fornecimento de água, luz, internet e gás, sem justa causa enquanto durar o Decreto n° 24.871/2020. Parágrafo único. Para fins de referência os valores a serem
praticados devem ser os valores aplicados em 1° de março de 2020.
Art. 2° Fica proibido durante a vigência do Decreto n° 24.871/2020, a suspensão do fornecimento dos serviços e produtos elencados no art. 1° desta Lei, por falta de pagamento.
§ 1° Os débitos eventualmente inadimplidos durante o período de vigência do Decreto n° 24.871/2020, deverão ser acumulados para cobrança futura.
§ 2° As concessionárias deverão apresentar propostas para quitação dos débitos para pagamento em até 36x, sem aplicação de juros e multas.
Art. 5° As empresas que descumprirem os arts. 1° e 2° desta Lei estarao sujeitas as sancoes previstas no Decreto Estadual n° 22.664 de 14 de marco de 2018.
Consoante o disposto no art. 22, inciso IV da Constituição Federal, compete privativamente à União legislar sobre águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão.
Não obstante e lamentavelmente, as autoridades terminam por extrapolarem de suas atribuições, talvez na pretensão de “satisfazerem seus eleitores”. Entretanto, ao “entrarem” na seara alheia, descumprem os preceitos legais a que se comprometeram cumprir no exercício de seus mandatos. Dessa forma, tornam inconstitucionais os seus atos legislativos e terminam por colocar o Judiciário em cheque junto a população, vez que este órgão não permite e não pode permitir se cumpram normas ao arrepio da Lei Maior.
É óbvio que o Judiciário somente age quando provocado e nem sempre o é. Mas quando o for não pode temer a insatisfação popular ao arrepio da nossa Constituição, que deve ser o norte para toda e qualquer conduta, principalmente dos nossos legisladores, que se presume possuírem conhecimento suficiente para respeitar e
determinar o respeito ao nosso arcabouço legal.
In casu, não se descortina a presença do fumus boni iuris, ante a aparente inconstitucionalidade da lei estadual que, em tese, invadiu a competência da União para legislar sobre energia e violou direito líquido e certo da impetrante.
Este diário foi assinado digitalmente consoante a Lei 11.419/06. O documento eletrônico pode ser encontrado no sítio do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, endereço: http://www.tjro.jus.br/novodiario/ ANO XXXVIII NÚMERO 105 DIARIO DA JUSTIÇA SEXTA-FEIRA, 05-06-2020 20 Sobre o tema, confira-se o recente julgado da Corte Suprema:
Ação Direta de Inconstitucionalidade.
2. Lei do estado de Mato Grosso do Sul que dispõe sobre a proibição de interrupção, por parte das empresas concessionárias, do fornecimento de serviços públicos essenciais à população, em decorrência da falta de pagamento.
3. Inconstitucionalidade formal, por afronta à competência dos municípios – descrita no art. 30, incisos I e V – e
da União – prevista nos arts. 21, XII, “b”; 22, IV; e 175, caput e parágrafo único, incisos I, II e III, todos da Constituição Federal.
4. O Supremo Tribunal Federal possui firme entendimento no sentido da impossibilidade de interferência do Estado-membro nas relações jurídico-contratuais entre poder concedente federal ou municipal e as empresas concessionárias, especificamente no que tange a alterações das condições estipuladas em contrato de concessão de serviços públicos, sob regime federal ou municipal, mediante a edição de leis estaduais. Precedentes. 5. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente. (ADI 3866, Relator (a):
Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 30/08/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-200 DIVULG 13-09-2019 PUBLIC 16-09-2019) (STF - ADI: 3866 MS - MATO GROSSO DO SUL 0000947- 24.2007.1.00.0000, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 30/08/2019, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe- 200 16-09-2019) Visando combater a pandemia do COVID-19, foi editada a Lei Federal n. 13.974/2020, que dispõe sobre as medidas para
enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavirus responsável pelo surto de 2019, regulamentada pelo Decreto nº 10.282/2020, que definiu os serviços públicos e as atividades essenciais.
Com fulcro na mencionada Lei e seu decreto regulamentador, a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, no exercício de sua competência regulatória disciplinada pela Lei 9.427/96, aprovou a Resolução Normativa n. 878/2020, vedando a suspensão do fornecimento de energia em razão de inadimplemento nas unidades residenciais, inclusive rurais, e em serviços essenciais. Destaco:
Art. 2º Fica vedada a suspensão de fornecimento por inadimplemento de unidades consumidoras:
I – relacionadas ao fornecimento de energia aos serviços e atividades considerados essenciais, de que tratam o Decreto nº 10.282, de 2020, o Decreto nº 10.288, de 2020 e o art. 11 da Resolução Normativa nº 414, de 2010;
II – onde existam pessoas usuárias de equipamentos de autonomia limitada, vitais à preservação da vida humana e dependentes de energia elétrica;
III – residenciais assim qualificadas:
a) do subgrupo B1, inclusive as subclasses residenciais baixa
renda; e
b) da subclasse residencial rural, do subgrupo B2;
IV – das unidades consumidoras em que a distribuidora suspender o envio de fatura impressa sem a anuência do consumidor; e
V – nos locais em que não houver postos de arrecadação em funcionamento, o que inclui instituições financeiras, lotéricas, unidades comerciais conveniadas, entre outras, ou em que for restringida a circulação das pessoas por ato do poder público competente.
Em que pese a aparente inconstitucionalidade da lei estadual, a impetrante está impedida de suspender o fornecimento de energia nas hipóteses acima elencadas, por expressa determinação da ANEEL, que é o órgão competente para regulação do setor e disciplinamento de suas regras de funcionamento.
Nesse viés, vislumbra-se o perigo da demora apenas em relação as hipóteses não previstas na Resolução Normativa da ANEEL, pois apenas quanto a estas, a impetrante está autoriza a suspender o corte em caso de inadimplemento do consumidor.
E foi com relação a estas que o legislador estadual adentrou, extrapolou seus limites legiferantes e fez acenos popularescos à nossa sociedade já tão desvalida de administradores bons, sérios e comprometidos com o efetivo desenvolvimento da nossa terra e do nosso povo.
Destarte, presente o risco nocivo de incentivar a inadimplência dos consumidores não abrangidos pela Resolução da ANEEL, que segundo informado pela impetrante, saltou de 6,10% no mês de fevereiro de 2020, para 18,92% em abril de 2020 e impossibilitar a manutenção dos serviços aos demais consumidores.
Cumpre ressaltar que, consoante dados trazidos pela impetrante, a maior taxa de inadimplência não é dos consumidores de baixa renda, até porque eles estão abrangidos pela Resolução da ANEEL, mas do setor público, com inadimplência de quase 70% e ainda das grandes empresas industriais e do agronegócio, alcançando a
taxa de inadimplência de, respectivamente, 16,19% e 21,53% em abril de 2020.
Quanto a proibição de reajuste de preço prevista na lei estadual, considerando que os reajustes das tarifas de energia elétrica devem ser homologados pela ANEEL, nos termos do art. 29, I e V, da Lei 8.987/95 e do art. 2º da Lei 9.427/96, também não vislumbro urgência para a concessão de medida liminar.
Pelos fundamentos acima expostos, defiro em parte o pedido liminar, apenas para afastar a proibição de corte de energia dos consumidores inadimplentes, que não estejam abrangidos pela proibição prevista na Resolução Normativa 878/2020 da ANEEL, bem como para que o Superintendente do Programa Estadual de Defesa do Consumidor do Estado de Rondônia se abstenha de imposição de sanções no caso de suspensão do fornecimento do serviço.
Notifiquem-se o Governador do Estado de Rondônia e o Superintendente do Programa Estadual de Defesa do Consumidor do Estado de Rondônia, dando-lhes ciência desta decisão, facultando-lhes o oferecimento de informações, no prazo legal, nos termos do art. 7º, I, da Lei n. 12.016/2009.
Dê-se ciência do feito ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada, nos termos do art. 7º, II da Lei n. 12.016/2009.
Após, encaminhem-se os autos à douta Procuradoria de Justiça para parecer (Art. 12 da Lei n. 12.016).
Publique-se e intimem-se.
Porto Velho, 04 de junho de 2020.
Desembargador José Jorge Ribeiro da Luz
Relator